domingo, 5 de dezembro de 2010

O segredo é amar

«(a Frei Diogo Crespo)

O mais difícil não é ir à Arrábida, porque no Verão há carreiras de camionetas, no Inverno

há em Azeitão táxis ou carroças ou jeriquinhos tão prestáveis; como os da Cacilhas de antigamente, e de Janeiro a Dezembro, para muita e muito boa gente, há duas pernas vigorosas e de boa vontade que fazem transpor, a Serra pelo Vale do Picheleiro. Difícil, difícil, é entendê- la: porque boas praias, boas sombras e boas vistas há-as em toda a parte para os bons banhistas, os bons amigos de bem-comer, os bons turistas; o que não há em toda a parte é a religiosidade que dá à Serra da Arrábida elevação e sentido. Sabe-se lá se o alor místico lhe vem da origem, se lho deixaram - inefável herança! - os franciscanos do seu Convento?... Mas é fora de dúvida que o visitante, se o não apreendeu, saiu da Arrábida sem sequer ter entrado nela verdadeiramente!

Vá sozinho, suba ao Convento, que é onde o espírito da Serra converge e como que ganha forma, leve, se quiser, os versos de Agostinho (bem-aventurado, que no-lo editou, o Professor Mendes dos Remédios!) e experimente como afinal é fácil estar a sós com Deus.

Quando, de rosado, começa a arroxear-se o horizonte, a Serra é um vulto de sombra parado a meio do silêncio. Pios de ave, como goteiras, piguelingam de quando em quando e de onde a onde - e damos então mais consciente notícia do grande silêncio. Dizemos:

Assim com cousas mudas conversando, com mais quietação delas aprendo que outras que há, ensinar querem falando.

Se a Lua surgir, o mato começa a desenhar no chão arabescos que já sabemos ler; empalidece mais o Convento e nós, compenetrados da beleza divina (ou franciscana?) das coisas, somos a grande porta que se fecha sobre a Serra para a Serra dormir, pela noite longa e azulada de Estrelas, na sua, meditação que já dura séculos.

O Céu fica-lhe perto: Bastaria acordar a meio da noite... Bastaria, para que Deus a ouvisse, sonhar alto um verso de Frei Agostinho, dos muitos que ele rezou e ela sabe de cor...»


Sebastião da Gama


O Segredo é Amar”, 1969

1 comentário:

  1. Ricardo Soares.
    É possível planear uma visita exploratória ao Castelo dos Mouros?

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